
Por que algumas pessoas que se julgam fora dos grupos de risco acham que podem reivindicar para si a Eucaristia, que as igrejas estejam abertas e que haja celebrações com as pessoas que “não apresentam risco”? Quem vai fazer a seleção na entrada? Que vai estar na porta para mandar de volta para casa o idoso, o cardíaco, o diabético, o fumante e outros dos grupos de riscos que teimosamente desejarem participar? Quem não levar sua máscara e seu álcool vai ser excluído da “sadia” assembleia celebrante? Quem garante para si mesmo que o vírus inexiste na sua exuberante saúde aparente? Vale passar na igreja de carro ou a pé e pegar “seu pedaço” de Eucaristia e ir embora, sem celebração, sem assembleia litúrgica, sem saborear a vida comunitária celebrante?
Estas perguntas parecem não terem sido feitas por piedosas pessoas famintas de Eucaristia, que tentam se enquadrar nos grupos seletos que podem celebrar e comungar nas igrejas. A piedade eucarística destes irmãos autoriza que haja castas que podem e castas que não podem comungar nesta hora (processo seletivo espiritual das espécies). O princípio da igualdade – ninguém pode – não seria mais justo e bíblico? “Viviam unidos e tinham tudo em comum”. Unidos na privação e em comum a mesma tristeza e fome de não celebrar a Fração do Pão.

Também é lamentável a perda do sentido da Igreja como o “Corpo Místico de Cristo”. Todos estamos interligados e unidos a Ele, nossa Cabeça e Princípio. Se uns comungam, o Corpo todo se alimenta. Somos um Corpo e não simplesmente sujeitos crentes individuais, com a necessidade de cada um ter de se alimentar para alimentar, só desta forma, o Corpo inteiro. A santidade de um santifica o Corpo; o pecado de um mancha o Corpo; a comunhão sacramental de um alimenta o Corpo. Não é em cima desta verdade de fé que se fundamenta a teologia das indulgências pela via da comunhão espiritual entre os santos, os batizados, os da tribulação e os da glória? Ou entendemos que somos um Corpo ou teremos que alimentar cada membro, como se não houvesse um Corpo onde uns sustentam os outros! Todos poderiam comungar (e poder não é ter direito), mas não poder – e haverá mesmo fora das pandemias quem não possa comungar – não significa necessariamente fraqueza espiritual que mata a fé por inanição eucarística. Milhares de irmãos e irmãs – o Papa, bispos, sacerdotes, pequenas equipes de celebração – estão comungando e alimentando o Corpo todo. A Igreja não está sem Eucaristia! O alimento espiritual está saciando o Corpo! Enquanto houver um comungante, haverá vigor espiritual no Corpo todo!
Acho que perdemos o senso da comunhão eclesial, da circulação dos bens espirituais no Corpo inteiro de Cristo, a Igreja, e fixamos nosso olhar erradamente na comunhão sacramental individual como única forma de vivência da fé eucarística e dos seus efeitos. A comunhão eucarística tomada abundantemente até antes da pandemia não nos educou para a comunhão mística que existe entre os batizados, mesmo que nem todos tenham acesso à vida sacramental. Precisamos pensar nisto!
Neste tempo de pandemia e de carência eucarística, o que temos para todos são estas meditações: primeiro, não existem grupos de risco. Quem, porventura, fosse à Igreja comungar ou quem ficasse em casa estaria igualmente desprotegido pelos contatos e proximidades. Segundo: um membro da Igreja que comunga fortalece a Igreja toda, o Corpo inteiro. Terceiro: deixar de fora os idosos e os debilitados na saúde, abrindo a possibilidade de comungar sacramentalmente aos demais, é deixar fragilizarem-se espiritualmente, por falta desta comunhão, aqueles que nos educaram na fé e aqueles que estão mais necessitados dos remédios espirituais. Quarto: fazer de conta que nada está acontecendo e voltar tudo ao normal, será uma imperdoável irresponsabilidade e um descompromisso com a vida.
Só para pensar! Temos tempo para isto em quarentenas! Está sobrando tempo para pensar, para conviver em casa e para rezar na nossa Igreja doméstica e no silêncio do nosso quarto interior.
Dom José Carlos de Souza Campos
Bispo de Divinópolis – MG
Nenhum comentário:
Postar um comentário