Em defesa dos seminaristas: identidade em crise
Rafael Vieira da Costa
Nós, seminaristas,
como qualquer outro vocacionados a qualquer profissão, estamos desenvolvendo
nossas potencialidades.
Parece que aquele sistema de seminário altamente regimental é
coisa do passado. Há uma abertura de consciência dos formadores e, também, da
Igreja no que diz respeito à formação dos seminaristas. O sentimento que cada
formando carrega é o da auto-formação, ou seja, a liberdade de educar a si mesmo.
Contudo, não encontramos pessoas realizadas em sua vocação, afinal, devia ser
esse o estereótipo de um formando, porque segundo os parâmetros modernos essa
liberdade injetada no seminarista devia realizá-lo como pessoa e como
seminarista que busca ser sacerdote do Altíssimo. Em
contraposição encontramos seminaristas geralmente em “crise vocacional” – termo
usado comumente nas casas de formação. Mas, então, por que realizar-se como
“projeto de padre” é um problema? Em minha humilde análise de um seminarista em
contexto proponho uma resposta ao questionamento: isso é um problema de
identidade.
Nós, seminaristas, como qualquer outro vocacionado a qualquer profissão somos
pessoas que estamos desenvolvendo nossas potencialidades e temos uma vaga idéia
da direção em que nossos passos querem seguir. De modo que, na formação
precisamos basicamente de três coisas: competência, controle e vocação.
Explico: competência significa ter condições de lidar com as interpelações da
sociedade; controle, ou seja, canais para nossos impulsos rebeldes, e vocação,
a convicção de que somos chamados a fazer aquilo pelo qual somos atraídos.
Acontece que nos encontramos não competentes para responder à demanda da
sociedade, a vida celibatária parece que está além do
horizonte, os impulsos são fortes e difíceis de serem controlados, e o
sentimento geral é de que não sou chamado a viver a radicalidade do evangelho.
Por isso, todos nós procuramos uma estrutura clara para nos testar e sermos
testados a fim de tomar as decisões futuras.
Vejamos como isso se torna um problema de identidade. Se um seminarista quer
ser competente ele se vê nos campos mais difíceis que é a filosofia e a
teologia. Poucos alunos têm orgulho em estudar esses cursos, até mesmo porque
até hoje se discute se a teologia é um campo de estudo ou não, e a filosofia é
considerada coisa para quem não tem o que fazer. Um médico, um advogado, um
psicólogo orgulha-se de seu campo de atuação porque isso é valioso diante da
sociedade. E, mesmo nossos professores não nos passam orgulho em terem estudado
teologia e filosofia, porque são poucos os que acreditam na eficácia de
contribuir com o mundo através desses campos. Por isso, nós seminaristas
ficamos projetando para o futuro outros cursos para sermos competentes em
ajudar a sociedade, a filosofia e a teologia se tornaram apenas um modo de
cumprir o currículo.
O controle das nossas pulsões, por vezes, também não é claro. Se
um seminarista começa a namorar dentro do seminário ele não é mandado embora,
ao contrário, se faz vista grossa e se diz: “é melhor que ele tenha uma
experiência de namoro antes de assumir o celibato”. Até mesmo se tem hoje um
receio muito grande por parte dos formadores em chamar a atenção pelas amizades
particulares, mesmo que os seminaristas estejam envolvidos em relações
consumidoras de enormes energias, desgastante, por causa do apego excessivo.
Isso é um problema do seminarista, ele que deve resolver sozinho a questão.
Como podemos perceber, não há uma identificação do seminarista com a vivência
do celibato.
Se o seminarista quer um auxílio à sua vocação ninguém sabe lhe dizer com
precisão o que significa ser sacerdote. Parece que quanto mais estamos perto da
ordenação mais vagas ficam as nossas idéias sobre o ministério. Antigamente a
Igreja dizia que era uma honra ordenar um sacerdote e se o candidato não
correspondesse às exigências devia se retirar. Hoje não temos exigência e nós
seminaristas que parecemos dizer à Igreja “se você não corresponder às minhas
expectativas eu me retiro”. Porque antes tínhamos claramente, como a água, o
que era ser padre, hoje, ninguém quer abraçar uma vocação que não tenha certa
carga de exigência. Existem muitos padres que não acreditam na eficácia do seu
ministério e na força do seu apostolado, por vezes se tornam professores,
psicólogos, cantores entre outras coisas, mas não convencem a nós seminaristas
que vale a pena ser padre.
Nessas três áreas citadas (competência, controle e vocação)
estamos frustrados. Encontramo-nos em meio ao dilema. Sentimo-nos como alguém que
não tem uma disciplina respeitada (competência), os impulsos não podem ser
controlados, tudo é ambíguo (controle), e o chamado se tornou uma fonte de
questionamentos intermináveis (vocação). Evidentemente, não há muitos
referenciais para seguirmos, pessoas que realmente amam a sua função. Por isso,
sofremos uma crise de identidade, não nos identificamos com o que vemos e o que
devemos ser. Essa reflexão surgiu a partir de minha vivência seminaristica com
meus amados formadores Pe. Luciano Toller e Hélio Feuser que, com amor e
cuidado me ajudam a criar competência, controle e vocação. Posso dizer que a
Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus tem me ajudado a integrar-me
como pessoa-humana e pessoa-vocação.
* Texto baseado no livro “Intimidade”, de Henri Nouwen.
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