Carta
compromisso
“Abençoai
os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis.
Alegrai-vos
com os que se alegram, chorai com os que choram” (Rm 12,14-15).
Nós,
bispos, padres, diáconos, religiosos, religiosas, assessores, leigos e leigas,
reunidos em Belém do Pará, no II Encontro
da Igreja Católica na Amazônia Legal, enviamos esta Carta Compromisso, de
coragem e de esperança, aos irmãos e às irmãs das nossas Dioceses, Prelazias e
a todos as pessoas que quiserem ouvir a nossa voz.
Estamos vivendo um momento difícil da história
do Brasil e da humanidade. A crise econômica, as pragas da guerra, da corrupção
e da violência e o fenômeno das migrações forçadas são consequências de uma
crise bem mais profunda, caraterizada pela perda de valores referenciais, tais
como: a vida e dignidade humanas, o direito a existência das diferentes
espécies vegetais e animais que sofrem a incontrolável destruição do
maravilhoso jardim da criação, ainda visível em muitos recantos desta verde
Amazônia. Os projetos predatórios que aqui se alastram, pelos rios e pelas
matas, não levam em conta os direitos da natureza, dos povos indígenas e das
comunidades tradicionais que, desde sempre, convivem em harmonia e respeito com
o ambiente, na casa comum, dádiva milenar. O mito do progresso sem limites e do
lucro a qualquer custo continuam prometendo o sonho do paraíso aqui na terra,
ao alcance de todos. Na realidade, assistimos à exclusão social, à
discriminação dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, ao inchaço
das periferias pobres das nossas cidades. Unimos a nossa voz a tantos que
denunciam que “este sistema exclui,
destrói e mata” (Grito dos Excluídos 2016).
Estamos
conscientes da nossa responsabilidade de sermos testemunhas da alegria do
Evangelho com as nossas vidas e com o compromisso de denunciar os males e de
anunciar a esperança do reino de Deus: “reino
eterno e universal, reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça,
reino da justiça do amor e da paz” (Prefácio: Cristo, rei do universo).
Lamentamos o distanciamento entre a Igreja e os movimentos populares. Pedimos
perdão pelas vezes que ficamos calados e omitimos a nossa solidariedade aos
pobres e sofredores, aos injustiçados e às vítimas do sistema destruidor que
mercantiliza a vida. A Igreja em saída, que o Papa Francisco nos pede, deve
ser, em primeiro lugar, uma Igreja samaritana, companheira de caminhada, que
evangeliza com a compaixão e a misericórdia, confiante na presença viva e
profética do Divino Espírito Santo.
Refletindo
sobre a realidade social e eclesial, à luz dos novos desafios que a história
nos impõe, confirmamos e atualizamos alguns dos compromissos assumidos nos
Encontros anteriores. O processo de mudança é constante e acontece de forma
mais rápido que no passado. É possível, urgente e vital participarmos ativa e
responsavelmente da nova época que está surgindo para o planeta terra para a
humanidade inteira e também para a Amazônia.
Somos semeadores de fé, esperança e amor. O semeador nunca desiste de
semear, mesmo quando não sabe se verá os frutos maduros das sementes do bem e
da justiça plantadas no chão e regadas com lágrimas, fadigas, corajosa
perseverança e paciência evangélica.
Apoiamos o
esforço dos povos indígenas e dos que vivem dos frutos do campo, da floresta e
dos rios, pela proteção das terras e das águas que dão sustento às suas
comunidades e às suas culturas. Denunciamos como imorais as manobras legislativas
que ameaçam os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais
consagrados pela Constituição de 1988. A lição de harmonia, respeito e
sustentabilidade destes povos vale para o planeta inteiro e para toda a
humanidade. Desmascara os ídolos da ganância, do consumo e do desperdício.
Constatamos
o silêncio de grande parte dos Meios de Comunicação a respeito da crescente
violência, perseguição e criminalização de lideranças camponesas, indígenas e
de entidades que defendem os direitos humanos, como a Comissão Pastoral da
Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
Sentimos a
necessidade de uma maior presença da Igreja junto às comunidades espalhadas
nesta imensa Amazônia. Preocupa-nos, em muitas delas, a ausência da celebração
eucarística, memorial da vida doada de Cristo e da sua vitória sobre o mal e a
morte. A realidade urbana desafia também a cada paróquia a se tornar verdadeira
Comunidade de Comunidades. Precisamos renovar os ministérios ordenados,
promover e valorizar os ministérios laicais, confiando na variedade dos
carismas e na força da unidade e da comunhão. Reafirmamos a importância do
ministério da Palavra para a missão evangelizadora, para a Iniciação à Vida
Cristã e para a formação permanente. A promoção do ministério da coordenação ou
do pastoreio pode dar ânimo e energia aos animadores e às animadoras de
comunidades, de grupos e de pastorais. Como fruto do Ano da Misericórdia, somos
chamados a promover o ministério do perdão, da reconciliação e da paz, também
fora do sacramento da penitência, preparando agentes para favorecer o diálogo,
o encontro e o perdão entre pessoas, famílias e comunidades.
Comprometemo-nos
a promover a formação dos candidatos ao ministério ordenado para que estejam a
serviço das nossas comunidades, livres do mundanismo, do carreirismo, do
clericalismo e do autoritarismo. Que saibam confiar nos leigos e nas leigas
como sujeitos verdadeiramente responsáveis da ação evangelizadora da Igreja
para colaborar com todas as pessoas de boa vontade “na construção do desenvolvimento social e cultural” (EG 67).
Reconhecemos
a missão própria dos leigos e das leigas na família, no trabalho, na cultura,
nos meios de comunicação, na política, na universidade, na arte e no lazer.
Eles e elas são a Igreja presente no coração da sociedade, sal da terra, luz do
mundo, sinais do Reino que cresce na história humana.
Alimentamos
a esperança que a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), possa contribuir
eficazmente com a resistência dos povos indígenas e das comunidades
tradicionais, incentive o diálogo e a colaboração entre as Igrejas na obra da
evangelização, na defesa e cuidado com a casa comum e na promoção da
fraternidade solidária.
Agradecemos
ao Papa Francisco, querido amigo da Amazônia, pelo seu empenho, dedicação,
documentos e pronunciamentos, que nos encoraja a uma missão mais ousada em
defesa da vida no horizonte de uma ecologia integral (LS 137).
Nossa
gratidão à Igreja de Belém que nos acolheu nestes dias e que celebra com
alegria os 400 anos do início da Evangelização em terras amazônicas. A memória
dos primeiros missionários nos ajuda a vencer o medo de abrir caminhos novos.
Estes irmãos e irmãs que precederam tiveram esta coragem, porque acreditaram no
único Senhor Jesus Cristo, Caminho rumo ao Pai, Verdade que nos liberta e Vida
plena, dom gratuito do Espírito. Rogamos a Maria, nossa Senhora de Nazaré,
padroeira da Amazônia e estrela da evangelização, que nos acompanhe sempre com
a sua maternal proteção.
Belém, 16 de novembro de
2016
Os
participantes do II Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal
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